Um estilo de vida

Eduardo Barros Palestrante convidado

Chá Literário de 08.05.2021

 

 

– Você não está comprando uma moto, está adquirindo um “estilo de vida”... E assim fui abordado pelo Rodrigo, vendedor da concessionária The One Harley Davidson de Curitiba, em julho de 2014.

No primeiro dia de férias de julho com meu filho, uma segunda-feira tranquila e fria, nós fomos dar um passeio por aquela linda cidade e paramos na concessionária Harley Davidson para apreciar aquelas belas máquinas. Nesta visita, quando entramos na loja, havia no melhor local, sob a iluminação bem posicionada que refletia direto nos olhos de quem entrava na concessionária, uma linda moto, modelo V-Rod Muscle, branca. Foi paixão à primeira vista!

Enquanto olhávamos as máquinas e em especial aquela belezura, fomos abordados pelo Rodrigo, o vendedor, de forma muito educada e dali começamos a tentar entender um pouco sobre essa famosa marca e os modelos ali expostos. Após um longo período de conversas, café, água e o argumento de que ali eu não estaria simplesmente comprando uma moto, mas sim adquirindo um novo “estilo de vida”, neste momento surgiu uma luz no fim do túnel. Não era um trem, era uma Harley Davidson que parecia sair dos sonhos para se tornar uma realidade. Mas, naquele momento, a dúvida e o medo de gastar não me permitiram fechar o negócio.

Diante daquela abordagem, eis que meu filho, com 13 anos de idade, me deu um belo de um puxão de orelhas na frente das pessoas que nos rodeavam, o vendedor, o supervisor e a moça do seguro, dizendo: “Pai você merece, você só trabalha, não larga o celular e o notebook, nem nos finais de semana e nem nas férias, está sempre trabalhando e preocupado comigo e com as pessoas, ajudando todo mundo. E você? O que faz pra você? Qual o seu hobby?”

Nesse momento, comecei a ficar sem graça pela bronca do meu querido filho na frente de todos. Agradeci e me despedi, indo embora com o cartão de visitas do vendedor nas mãos e com tudo o que meu filho havia dito martelando na minha cabeça.

Naquela noite não dormi pensando em tudo o que o meu filho dissera, quanta sabedoria para uma criança de 13 anos, o que despertou outros pensamentos. Naquele mesmo ano, 2014, meu pai havia sofrido um AVC (Acidente Vascular Cerebral) e a soma de tudo me provocou a pensar na proposta do vendedor, não a de comprar uma moto, mas a de mudar o “estilo de vida”, o que a Harley Davidson se propunha a oferecer.

Então, no dia seguinte, após o nosso tradicional café da manhã, voltamos à concessionária The One Harley Davidson, pois decidi naquela noite que iria mudar o “estilo de vida”, me permitir viver um pouco além do profissional, buscar um hobby, uma atividade que criasse um mundo paralelo para recarregar as baterias e olhar um pouco para mim mesmo – e para isso teria que adquirir o tal do novo “estilo de vida” e não simplesmente comprar uma moto. Negócio fechado, moto, acessórios, capacetes, roupas e tudo mais que o mundo Harley Davidson nos traz como um hobby. Confesso que saí da loja me sentindo culpado, como se tivesse feito algo errado, uma loucura, mas segui focado na mudança do meu “estilo de vida”.

Conheci muita gente, fiz vários passeios com o HOG (nome dado ao Grupo de motociclistas proprietários de uma Harley Davidson), passei a frequentar os cafés da manhã aos sábados oferecidos pela loja, e fiz minha primeira viagem, um evento em Blumenau.

Que medo da estrada, de passar no meio das filas de carros no congestionamento da serra com aquela baita moto, e eu tinha que acelerar para não perder o grupo liderado pelo Amigo Marcelo Pirolo. Ai se eu perdesse o grupo, achava que me perderia para sempre e nunca mais voltaria pra casa, “haha”... E a mudança interna provocada pelo novo “estilo de vida” começa a aparecer. Aí o grupo que me levou resolveu voltar, e lá fiquei eu sozinho pra curtir aquele momento naquela linda cidade, mas preocupado em como voltaria? Eis que papai do céu me colocou na frente do hotel onde aconteceu o evento e lá apareceram três anjos da guarda que me escoltaram de volta a Curitiba, José Kaiser Juúnior, Cleverson Souza e Alessandra Passaura, esposa do Cleverson, que também estava ali em sua primeira vigem. E ali peguei a minha carona de volta nesse comboio. Ufa!!! Que alívio!!!

Cinco meses se passaram...

 

Em dezembro de 2014, fiz minha primeira viagem longa sozinho, 600 quilômetros. O destino era minha cidade natal, Espírito Santo do Pinhal – SP, para passar as festas de final de ano na casa dos meus pais. Com um pouco de medo e receio, mas com todo cuidado e planejamento, fiz uma viagem fantástica.

E as mudanças internas provocadas pelo tal do “estilo de vida” ganhavam cada vez mais força. Uma cena nesse período de final de ano na casa dos meus pais me provocou novamente. Vi meu pai, oito meses após o AVC, sentado no sofá com 57 quilos, sem forças, com as sequelas tomando conta do ritmo da vida dele e de minha amada mãe, sem perspectivas de futuro, sem luz no fim do túnel. Mais uma vez o tal “estilo de vida” me provocou a tomar uma decisão, a de voltar para casa para ajudar naquela situação. Eu tinha que fazer algo, não podia assistir àquela situação de braços cruzados e assim eu o fiz.

Nesse convívio mais próximo com meu pai, ele me confidenciou que eu estaria realizando o sonho da vida dele, que era andar de moto. Sempre sonhou em ter uma moto daquela, mas nunca se permitiu e que naquele momento tinha condições financeiras, mas já não tinha mais condições físicas.

Mais uma vez, não podia ficar de braços cruzados, tinha que realizar o sonho do meu pai. Mas como? Na V-Rod Muscle não tinha segurança, pois o AVC comprometeu o lado esquerdo do corpo, perna e braço, e os 57 quilos também não lhe davam muita força para ficar na garupa.

Aí resolvi voltar àquele lugar que vendia “estilo de vida”, desta vez em Campinas, na concessionária Tennessee Harley Davidson. Procurei a Roseli, supervisora de vendas, disse que gostaria de fazer um teste naquela moto que tinha um banquinho atrás, pois acreditava que dali ele só cairia se eu e a moto caíssemos junto.

Peguei meu pai no colo, coloquei-o no tal banquinho e saímos para o Test Ride em uma Ultra Limited, azul, linda. Realmente ele ficou encaixado e não teria perigo. Ao terminar o passeio, ele desceu com uma fisionomia de alegria que há tempos eu não via. Os olhos brilhando e um belo sorriso no rosto. Não tive como não fazer nada, eu respirei fundo e pedi a ele que tocasse o sino de aquisição de “estilo de vida”.

Explicando: Na concessionária tem um sino que é tocado por aqueles que fecham um negócio, que compram uma moto, mas no nosso caso estávamos fechando um novo “estilo de vida” para meu pai e a continuação da minha mudança do tal novo “estilo de vida”. Teve que ser naquele momento, pois eu não sabia quanto tempo ainda teríamos...

A emoção tomou conta de todos que presenciaram aquele momento e muitas lágrimas rolaram. E ali realmente começou a transformação através do tal “estilo de vida”.

Passamos a sair todos os finais de semana para rodar e celebrar a vida, ele engordou 20 quilos voltando próximo ao seu peso original, a tristeza foi substituída por alegria, a vida passou a ter objetivos, metas e vontades, nos finais de semana quer colocar as camisetas Harley Davidson e lenço no pescoço, e assim, no dia 21 de abril de 2021, alguns dias atrás, celebramos 87 anos de muita vida e muita história para contar sobre o nosso novo “estilo de vida”.

Diante deste breve relato, pois muita coisa aconteceu nestes seis anos, deixo meu agradecimento ao querido Rodrigo, aquele vendedor que não me vendeu apenas uma moto, me vendeu o tal do “estilo de vida” e me deu de brinde a oportunidade de ser melhor!